quarta-feira, 21 de novembro de 2007

AMPHORA

Convém revelar
a quem o não saiba
que este texto
tem matura idade
e
culpa minha
nenhuma


Para que conste









Amphora




Encontrámos aqui o vinho, o gelo, o copo, o silêncio,

num lugar ermo de terra feito

e madeira velha por tempo:

o ressuscitar dos nossos sentidos e voz;

A escrita germinando

nos degraus húmidos do resistir.

Não há inverno nem verão. Ninguém fala.

Escuta-se o rumor do vento, se o vento sopra,

o silêncio da casa, da amphora.

E há vinho: natureza fresca.

E há mel, recolhido cuidadosamente no ano anterior.

Encontrámos aqui o vinho, o gelo, o copo, o corpo.

E fizemos amor.

*

Que casa querer depois desta casa?

Que corpo desejar depois do corpo ali?

*

Molhámos os corpos nos riachos

gerados no interior da neve e da montanha,

irmanados naquela mútua recompensa de gurgitares:

nós e as fontes; nós e as pequenas quedas de água,

no verdadeiro silêncio da terra.

*

Não havia memória.

Havia chão.

*

Às vezes, sentávamo-nos nas gotas de orvalho,

suspensas na relva

e revíamo-nos nos espelhos das nuvens dispersas,

vagueando em sonhos.

Adormecíamos, por vezes.

Acordávamos tão leves...

*

O frio não era motivo de abandono.

Habitávamos a casa, as réstias de sol,

a luz matinal coada na limpidez do espaço.

Fazíamos o jogo paciente da aranha tecendo a sua rede.

Seguíamos-lhe os movimentos.

Apreciávamos a lentidão das suas esperas.

Sentíamos pena das suas vítimas.

Como libertá-las, sem quebrarmos os ténues braçosda prisão?

*

Era o equilíbrio natural que absorvíamos.

Amávamos. Conjugados no todo de um ambiente primordial.

E quem somos, para podermos quebrar o sossego da harmonia,

construída em todos os recantos

deste terno e pequeno mundo?

Sentávamo-nos, por vezes, no musgo.

Na frescura da terra semeada de pinheiros.

Viajávamos, depois, aos confins do eco

e nossas vozes regressavam mais quentes.

De amor.

*

E quando a mágoa espreitava

sob um sorriso,

dizias somente:

a noite só vem

quando os olhos se fecham de cansaço.

Antes, é a sempre e repetida loucura

dos encontros sem fim, sem fundo,

no outro lado do mundo.

*

Era a manhã vinha ao nosso encontro.

Em busca de um beijo húmido,

nascido no interior da noite.

Caminhava pela madrugada preguiçosa

e removida das entranhas do desejo.

Amanhecia. Ou eras tu que caminhavas

à procura de um silêncio

envolto em nevoeiro matinal?

*

Respiravas sonhos inteiros

à medida dos teus olhos erguidos

na direcção da luz.

Havia um sol razante no arvoredo.

Um reflexo enorme na tua mão.

E o frio ainda não tinha nascido.

*

Brilhavam auroras nos teus olhos.

Nos teus cabelos batia o vento.

E as searas permaneciam atentas

ao lento declinar da tarde.

Um sentimento natural unia-nos

ao cheiro cinzento da terra.

Como penetrar a penumbra do sol,

sem desperdiçar o tempo da erva?

*

Baixo os olhos à torrente de água que nos liga.

Os teus olhos prendem-se atentos

ao lento declinar da tarde

e espantam-se.

A água não mais é cor de água.

Transporta, num turbilhão de nervos,

nosso sangue,

à procura de repouso

no interior mais fundo da terra.

*

Uníamos o cheiro da terra

ao intenso florir dos nossos olhos,

no espanto natural de termos mãos.






8 comentários:

Poesia Portuguesa disse...

Se estivessemos em Maio, eu dir-te-ia...

Em Maio
florescem
as palavras
as flores
os amores
e as sensações...

Em Maio
perfumado
de mil rosas
florescidas
em campos verdejantes
eu ouso
ser pétala
para colher
a essência
na Poesia
que transmites
Aqui..

Em Maio
és
Poesia!


Mas estamos em Novembro... e a poesia continua!

Um abraço ;))

Cissa de Oliveira disse...

Olá Joaquim

Amphora. Tão belo o poema; lembrou-me a poesia de JAG (José António Gonçalves).
Parabéns!

Beijos da tua amiga

Cissa de Oliveira

Anónimo disse...

Parece que a chuva ainda não tinha nascido... Mas o musgo já lá estava.
Não é, grande malandro!?..........

Anónimo disse...

Finalmente, Amigo!
Andava a esperar uma coisa deste teu género de poetar.
Parabéns!

João Pedro

Anónimo disse...

"Existe muita loucura no amor, mas também existe muita razão na loucura." - Nietzsche

Amphora: Li,gostei,digo: Sublime. Um abraço jaquim.

Anónimo disse...

Não sei que dizer...
Há que tempo não lia
poemas simples e sentidos,
como este conjunto de não
sei, como designá-lo!
Manda mais.

Leonor Soares

Joaquim Alves disse...

Quero agradecer a todos.
Em especial, à PP, à Cissa,
ao JP, ao JPG, à Leonor
e à Menina.
Também ao Luís, à Truca,
à Raposa, ao mês de Maio,
mesmo que, em novembro,
ao trabalho se dê
de repertir-se.
Porque a DITA POESIA
não dá para se comer
(que a Natália me perdoe),
viva a mãe do Leo Ferré
que, redondamente se enganou.
Ela disse:
"Meu filho, a música não dá pão".
O Rapaz respondeu:
"Muita gente vai comer porque eu faço música."

Sem comentário.

joaquim alves

Anónimo disse...

venha participar em www.luso-poemas.net
vai adorar:)