domingo, 6 de janeiro de 2008

REPOSIÇÃO




DA ALMA
tantas vezes
parva





As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque a chuva as lavou.
As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque o vento as poliu.

As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque a neve as cobriu.
As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque o sol assim as tornou.

As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque sangue quente
corre ainda nas veias dos homens.


**


Morrer devia ser assim:
lavar a cara com areia fina
e mergulhar no mar adormecido.


**

Não havia memória.
Havia chão.


**

Levei as minhas mãos ao teu rosto.
Levei as minhas mãos às tuas mãos.
Levei as minhas mãos ao teu corpo.
E tu sorriste.
Os milagres que as mãos fazem!



**


Roubei girassóis da varanda da casa da minha tia.
Roubei-os, mas com ajuda!
Comigo foram o Almada e o Régio,
o Eugénio e o Fernando.
Um assalto, sem cúmplices,
nunca seria verdadeiro e credível.
Trepei pelo granito,
segurei-me às ripas,
arranquei as plantas,
e atirei-as para baixo.
Tudo isto,
enquanto a minha tia dormia.
Almada ficou com três.
Se não me engano, o Régio com duas.
O Fernando apanhou a outra.
O último girassol trouxe-o comigo.
Ainda o guardo como recordação.
Quem pode colocar ordem,
nesta minha confusão,
é o Zé Gomes que tudo fotografou.
A claque também não faltou.
Presentes: o Alexandre, o Ary
e a Natália; Dinis, Florbela e Garrett.
Estes que nem convidados foram!
Juntaram-se alguns populares,
por vontade própria e espontânea,
mais uns tantos estrangeiros que,
por ali, turismo faziam.
Os jornalistas avisados não foram.
Mas houve reportagem,
três semanas depois,
num qualquer diário da capital.
Era uma sexta-feira quaresmática.
Disso recordo-me,
de acordo com o calendário
da Magna e Santa Igreja Católica.
O Belo assegura-me que esteve
um lindo dia de sol.
Não me lembro...
Sei que desci, colocando os pés
nas pedras por onde subi.
Eram-me tão familiares,
como as minhas mãos.
Girassóis roubei da varanda
da minha tia.
E ela perdoou-me,
quando lhe disse que era
para o Vicente os pintar.
Roubei girassóis para Van Gogh.
E guardo ainda
um original da série,
em casa da minha tia.
Se vale milhões, não sei.
Tudo é, quase sempre,
pouco mais que nada.


**

Por que não podemos apagar as palavras,
fazer delas um incêndio, uma inundação…
Depois, escrever tudo de novo
com nomes que não soubemos nomear
e imagens que inventar não pudemos.
Tudo mais e mais verdadeiro.
Por que não podemos rasgar a carne,
os ossos, os olhos, para podermos dizer,
ao menos uma vez na vida:
Viva a página.
Viva a mão.
Vivam os dias.


**


Por um pouco mais de sonho,
azul como esta tinta que uso;
por um pouco mais de vida,
darei todo o oiro que não tenho,
aquela imensa força de luta,
o meu coração e vontade.
Por um pouco mais de azul,
Lisboa pode servir de troca;
porque a minha pátria não é
a língua portuguesa.
A minha pátria não é aqui,
onde moro ou trabalho.
A minha pátria (querem saber?)
é tudo em que acredito.



@private/outubro 20007
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2 comentários:

Anónimo disse...

A coisa vai torta
nada a endireita
mudem de rumo
mudem de meta

mas fiquem por perto

www.susanacustodio.com disse...

Olá, Joaquim. Obrigada por me ter escrito. Realmente estamos muito perto. Andei por aqui lendo as suas poesias. O seu Blog está muito mais bonito que o meu, rsrsrs.Por acaso não quer fazer parte dos POETAS DEL MUNDO? Se quizer diga-me que eu posso propô-lo.Espero que me continue a visitar lá no Recanto, eu também irei. Bjos